Por Claudia Aguiyrre
“Eu não representava. Eu era a personagem que interpretava na tela.”
Mary Pickford
A trajetória artística de Mary Pickford tem a marca do improvável, não só porque era inusitado que uma mulher chegasse a ter o reconhecimento financeiro que ela obteve como profissional de sua época, mas por ser ainda mais incerto que alguém em sua condição quisesse abandonar a confortável posição frente às câmeras e optar por trabalhar atrás delas. Mary Pickford chegou a ser a mulher mais famosa do mundo, tornando-se um sucesso nunca antes visto, com uma legião internacional de fãs que seguia sua carreira nas telas.
Protagonizou mais de 200 filmes, a maior parte deles ainda no cinema mudo, com esse número crescendo para cerca de 250 filmes, com a produção de outros trinta, segundo outras fontes. Foi a primeira atriz a ser apelidada como “America’s Sweetheart”, Namoradinha da América, e antes do final da década de 20 era a atriz mais bem paga da história do cinema americano e mundial, sendo sua posterior representatividade como produtora e empresária tão importante quanto a de atriz.
Nas palavras do jornalista Herbert Howe, na revista americana de cinema Photoplay, do ano de 1924: “Nenhum papel que ela possa desempenhar na tela é tão grande quanto o papel que ela desempenha na indústria cinematográfica. Mary Pickford, a atriz, é completamente ofuscada por Mary Pickford, o indivíduo”, ressaltava a matéria destacando que ela sabia trabalhar em todas as áreas da produção cinematográfica e era uma profissional inteligente.
Em 1976, três anos antes de falecer, recebeu o Oscar Honorário “em reconhecimento às suas contribuições únicas para a indústria cinematográfica e ao desenvolvimento do cinema como um meio artístico”, declarava o prêmio. É uma das fundadoras da Academy of Motion Picture Arts and Sciences a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organização profissional honorária dedicada ao desenvolvimento do cinema e responsável pela organização anual do The Academy Awards, premiação popularmente conhecida como Prêmio Oscar.
Mary Pickford nasceu na cidade de Toronto como Gladys Marie Smith e foi uma atriz e produtora canadense radicada nos Estados Unidos, que começou a atuar no teatro ainda criança, entre 5 e 7 anos de idade, seguindo o ofício da família na qual seus dois irmãos e também a sua mãe atuavam em companhias teatrais para garantir o sustento.
Posteriormente conhecida como a “Namoradinha da América”, “Pequena Mary” e “A moça dos cachos dourados”, ela foi uma das pioneiras no início de Hollywood, tornando-se rapidamente uma das artistas mais importantes do cinema mudo e sua trajetória foi fundamental para estabelecer os parâmetros da indústria hollywoodiana.
Foi considerada entre as 24 maiores estrelas de todos os tempos pelo American Film Institut e deu importante contribuição para o desenvolvimento dos filmes de ação. Foi também fundamental na preservação de acervos cinematográficos, área na qual investiu tempo e recursos, deixando o legado de valorizar a preservação fílmica como fonte de pesquisa e documentação artístico-cultural. Segundo a Mary Pickford Foundation ela “foi uma das primeiras líderes do movimento de preservação de filmes e uma fervorosa defensora da criação de um museu dedicado à arte de fazer filmes”.
A atriz foi lançada no cinema americano pelo já reconhecido diretor D. W. Griffith, em 1909, depois de ter feito sucesso na Broadway, sob a direção de David Belasco, conhecido mundialmente como o pioneiro do naturalismo nas artes cênicas norte-americanas da virada do século. Belasco foi um dos importantes diretores, dramaturgos e produtores do teatro americano, com quem Pickford aprendeu a respeito de atuação além de aspectos técnicos como o potencial dramático da iluminação e sobre como usar cenários de forma lúdica e inventiva.
Foi este diretor que aconselhou a atriz a adotar o nome artístico de Mary Pickford, quando era ainda uma adolescente. No ano de 1918 tornou-se a atriz mais bem paga do cinema americano e trabalhou com diversos diretores e elencos famosos da época, podendo negociar o seu cachê e tendo regalias contratuais que lhe garantiam escolher quem assinaria o roteiro, a direção e a montagem de seus filmes, assim como com quem iria contracenar.
É considerada a estrela mais popular da história do cinema de Hollywood, tendo sido a campeã de bilheteria nos Estados Unidos por vários anos, com uma popularidade inabalável, batendo inclusive Charles Chaplin. “Sua carreira foi impulsionada por colegas profissionais que também eram amigos, incluindo o diretor de fotografia Charles Rosher e a roteirista Frances Marion, numa época em que a forma de arte estava em um estado quase constante de mudança”, menciona a apresentação da atriz no portal da Mary Pickford Foundation.
Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Charlie Chaplin e D. W. Griffith fundaram a United Artists, que seria a primeira companhia americana independente na distribuição de filmes, criada com o objetivo de fazer frente às grandes corporações cinematográficas e que acabou por constituir-se como a companhia a oferecer oportunidades a jovens diretores e a consagrar diversos nomes da história do cinema, principalmente em seu período mudo.
Pickford era reconhecida pela dedicação ao trabalho, por ser exigente e por ter ideias criativas para impulsionar sua imagem e de seus filmes em termos promocionais. Era uma artista, mas também uma mulher de negócios que prezava sua independência criativa e que conhecia o meio que a endeusava.
Ela soube administrar a carreira e seu patrimônio, além de ser reconhecidamente generosa com sua classe artística e mobilizada em prol de causas sociais nas quais utilizava sua influência para arrecadar fundos. Embora pretendesse permanecer anônima era sabido que fazia doações sistemáticas para entidades ligadas ao cinema e à classe cinematográfica.
O CINEMA FALADO
A atriz estrelou a maioria das produções entre os anos de 1909 e 1920 – com filmes de um único rolo –, atuando em todos os gêneros fílmicos, mas o público fixou sua imagem como a protagonista jovem e inocente, quase infantil, que com seus cachos tornou-se a preferida dos espectadores por muitos anos. Mary fez diversas tentativas de superar o papel no qual a audiência a havia cristalizado, mas foi em vão, continuava a ser chamada por diretores e produtores para interpretar personagens muitos anos mais nova do que ela, explorando uma imagem já consagrada.
Cansada da situação e em busca das esperadas mudanças ela decidiu cortar os cachos, corte que foi estampado na primeira página do The New York Times e outros jornais e revistas. À época seus filmes eram anunciados com os dizeres The Girl with the Golden Curls (A Menina com os Cachos Dourados), tamanha era a relação de identidade de Mary com os cachos dourados que chegaram a ser expostos em museus de Los Angeles e San Diego ao serem cortados.
Possivelmente a morte de sua mãe motivou as mudanças que paulatinamente fizeram a atriz desistir das câmeras para dedicar-se apenas à produção cinematográfica. Sua trajetória atravessou a passagem do cinema mudo para o cinema com som sincronizado e sofreu com o desgaste de anos de sucessos consecutivos.
Na tentativa de encarar papeis mais adultos ela “trouxe o sofisticado diretor alemão Ernst Lubitsch para dirigi-la em Rosita, de 1923, mas nem o estrondoso sucesso de bilheteria (o filme arrecadou mais de 1 milhão de dólares) nem o aclamado ‘toque’ do cineasta conseguiu alterar as expectativas dos fãs em relação à atriz”, segundo menciona a biografia de Pickford publicada no blogue Assim Era Hollywood.
“Adicionar som a filmes seria como colocar batom na Vênus de Milo”, teria dito a atriz em relação à chegada do cinema sonoro, e talvez tenha sido a única vez que esteve enganada em relação aos caminhos que a cinematografia tomaria. Especulou-se que parte desta indisposição com o cinema falado pode ter sido o receio de uma reação negativa dos fãs à sua voz; outra parte pode ser atribuída à necessidade de dominar um sistema de produção totalmente novo, que influía definitivamente na atuação, exigindo dos elencos uma adaptação rápida aos novos tempos e suas evoluções tecnológicas.
O certo é que ironicamente Mary Pickford ganhou o Oscar de Melhor Atriz Principal, em 1930, com Coquette, seu primeiro filme falado, e já sem os cachos que a imortalizaram. Pickford havia sobrevivido à sonorização dos filmes, assim ficou comprovado pela crítica, porém o público não respondeu à altura, desconhecendo a atriz que ficaria para sempre restrita à personagem que ajudou a criar. Para então a atriz já estava decidida a deixar as telas, fato que se consumou em alguns anos.
Mary Pickford foi casada três vezes. Primeiro com o ator e diretor irlandês Owen Moore de quem se separou em função do alcoolismo que este desenvolveu e logo se casaria com o também ator Douglas Fairbanks, com quem formou um dos casais mais famosos do cinema, fenômeno tido como incerto no meio cinematográfico, frente a uma sociedade que repudiava o divórcio, e principalmente as mulheres desquitadas ou divorciadas.
Incrivelmente não foi o caso de Mary Pickford que formou com Fairbanks, também separado, o casal dos sonhos da sociedade americana, que seguia com atenção os passos do casal, cuja união durou quase duas décadas. O terceiro casamento deu-se com seu colega em My Best Girl, o último filme mudo da atriz, o músico e ator Charles Buddy Rogers, com quem viveu até falecer em 1979, vítima de uma hemorragia cerebral em decorrência de seu vício em álcool, doença que rondava a vida da atriz que enterrou em sua decorrência seus dois irmãos, Lottie e Jack, que a exemplo da mãe e seu pai, também eram alcoólatras.
Aos poucos a importante atriz e produtora foi tornando-se reclusa, deixou de aparecer em público e recebia apenas um restrito grupo de pessoas em sua mansão em Beberly Hills, herança de seu segundo casamento.
“Ela sabia o que valia a pena e não hesitou em exigir isso para si mesma. Ela era uma mulher em controle total”, escreveu a biógrafa Eileen Whitfield a respeito de Mary Pickford. A última vez que foi vista em público foi em 1976 ao receber o Oscar Honorário quando uma equipe de televisão gravou por breves momentos a atriz recebendo a premiação.
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