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Mary Pickford dá voz ao Cinema Mudo – Pioneiras 3

Mary Pickford 1916

Por Claudia Aguiyrre

Eu não representava. Eu era a personagem que interpretava na tela.”

Mary Pickford 

A trajetória artística de Mary Pickford tem a marca do improvável, não só porque era inusitado que uma mulher chegasse a ter o reconhecimento financeiro que ela obteve como profissional de sua época, mas por ser ainda mais incerto que alguém em sua condição quisesse abandonar a confortável posição frente às câmeras e optar por trabalhar atrás delas. Mary Pickford chegou a ser a mulher mais famosa do mundo, tornando-se um sucesso nunca antes visto, com uma legião internacional de fãs que seguia sua carreira nas telas.

Mary Pickford e Frances Marion, amigas e pioneiras do cinema hollywoodiano

Protagonizou mais de 200 filmes, a maior parte deles ainda no cinema mudo, com esse número crescendo para cerca de 250 filmes, com a produção de outros trinta, segundo outras fontes. Foi a primeira atriz a ser apelidada como “America’s Sweetheart”, Namoradinha da América, e antes do final da década de 20 era a atriz mais bem paga da história do cinema americano e mundial, sendo sua posterior representatividade como produtora e empresária tão importante quanto a de atriz.

Nas palavras do jornalista Herbert Howe, na revista americana de cinema Photoplay, do ano de 1924: “Nenhum papel que ela possa desempenhar na tela é tão grande quanto o papel que ela desempenha na indústria cinematográfica. Mary Pickford, a atriz, é completamente ofuscada por Mary Pickford, o indivíduo”, ressaltava a matéria destacando que ela sabia trabalhar em todas as áreas da produção cinematográfica e era uma profissional inteligente.

Em 1976, três anos antes de falecer, recebeu o Oscar Honorário “em reconhecimento às suas contribuições únicas para a indústria cinematográfica e ao desenvolvimento do cinema como um meio artístico”, declarava o prêmio. É uma das fundadoras da Academy of Motion Picture Arts and Sciences a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organização profissional honorária dedicada ao desenvolvimento do cinema e responsável pela organização anual do The Academy Awards, premiação popularmente conhecida como Prêmio Oscar.

Mary Pickford com 22 anos

Mary Pickford nasceu na cidade de Toronto como Gladys Marie Smith e foi uma atriz e produtora canadense radicada nos Estados Unidos, que começou a atuar no teatro ainda criança, entre 5 e 7 anos de idade, seguindo o ofício da família na qual seus dois irmãos e também a sua mãe atuavam em companhias teatrais para garantir o sustento.

Posteriormente conhecida como a “Namoradinha da América”, “Pequena Mary” e “A moça dos cachos dourados”, ela foi uma das pioneiras no início de Hollywood, tornando-se rapidamente uma das artistas mais importantes do cinema mudo e sua trajetória foi fundamental para estabelecer os parâmetros da indústria hollywoodiana.

Johanna Enlists (1818), produzido por Mary Pickford

Foi considerada entre as 24 maiores estrelas de todos os tempos pelo American Film Institut e deu importante contribuição para o desenvolvimento dos filmes de ação. Foi também fundamental na preservação de acervos cinematográficos, área na qual investiu tempo e recursos, deixando o legado de valorizar a preservação fílmica como fonte de pesquisa e documentação artístico-cultural. Segundo a Mary Pickford Foundation ela “foi uma das primeiras líderes do movimento de preservação de filmes e uma fervorosa defensora da criação de um museu dedicado à arte de fazer filmes”.

A atriz foi lançada no cinema americano pelo já reconhecido diretor D. W. Griffith, em 1909, depois de ter feito sucesso na Broadway, sob a direção de David Belasco, conhecido mundialmente como o pioneiro do naturalismo nas artes cênicas norte-americanas da virada do século. Belasco foi um dos importantes diretores, dramaturgos e produtores do teatro americano, com quem Pickford aprendeu a respeito de atuação além de aspectos técnicos como o potencial dramático da iluminação e sobre como usar cenários de forma lúdica e inventiva.

Foi este diretor que aconselhou a atriz a adotar o nome artístico de Mary Pickford, quando era ainda uma adolescente. No ano de 1918 tornou-se a atriz mais bem paga do cinema americano e trabalhou com diversos diretores e elencos famosos da época, podendo negociar o seu cachê e tendo regalias contratuais que lhe garantiam escolher quem assinaria o roteiro, a direção e a montagem de seus filmes, assim como com quem iria contracenar.

É considerada a estrela mais popular da história do cinema de Hollywood, tendo sido a campeã de bilheteria nos Estados Unidos por vários anos, com uma popularidade inabalável, batendo inclusive Charles Chaplin. “Sua carreira foi impulsionada por colegas profissionais que também eram amigos, incluindo o diretor de fotografia Charles Rosher e a roteirista Frances Marion, numa época em que a forma de arte estava em um estado quase constante de mudança”, menciona a apresentação da atriz no portal da Mary Pickford Foundation.

Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Charlie Chaplin e D. W. Griffith fundaram a United Artists, que seria a primeira companhia americana independente na distribuição de filmes, criada com o objetivo de fazer frente às grandes corporações cinematográficas e que acabou por constituir-se como a companhia a oferecer oportunidades a jovens diretores e a consagrar diversos nomes da história do cinema, principalmente em seu período mudo.

Pickford era reconhecida pela dedicação ao trabalho, por ser exigente e por ter ideias criativas para impulsionar sua imagem e de seus filmes em termos promocionais. Era uma artista, mas também uma mulher de negócios que prezava sua independência criativa e que conhecia o meio que a endeusava.

Ela soube administrar a carreira e seu patrimônio, além de ser reconhecidamente generosa com sua classe artística e mobilizada em prol de causas sociais nas quais utilizava sua influência para arrecadar fundos. Embora pretendesse permanecer anônima era sabido que fazia doações sistemáticas para entidades ligadas ao cinema e à classe cinematográfica.

Coquette (1929), filme estadunidense dirigido por Sam Taylor,

 destacou Mary Pickford como atriz do cinema-falado 

O CINEMA FALADO

A atriz estrelou a maioria das produções entre os anos de 1909 e 1920 – com filmes de um único rolo –, atuando em todos os gêneros fílmicos, mas o público fixou sua imagem como a protagonista jovem e inocente, quase infantil, que com seus cachos tornou-se a preferida dos espectadores por muitos anos. Mary fez diversas tentativas de superar o papel no qual a audiência a havia cristalizado, mas foi em vão, continuava a ser chamada por diretores e produtores para interpretar personagens muitos anos mais nova do que ela, explorando uma imagem já consagrada.

Cansada da situação e em busca das esperadas mudanças ela decidiu cortar os cachos, corte que foi estampado na primeira página do The New York Times e outros jornais e revistas. À época seus filmes eram anunciados com os dizeres The Girl with the Golden Curls (A Menina com os Cachos Dourados), tamanha era a relação de identidade de Mary com os cachos dourados que chegaram a ser expostos em museus de Los Angeles e San Diego ao serem cortados.

Possivelmente a morte de sua mãe motivou as mudanças que paulatinamente fizeram a atriz desistir das câmeras para dedicar-se apenas à produção cinematográfica. Sua trajetória atravessou a passagem do cinema mudo para o cinema com som sincronizado e sofreu com o desgaste de anos de sucessos consecutivos.

Na tentativa de encarar papeis mais adultos ela “trouxe o sofisticado diretor alemão Ernst Lubitsch para dirigi-la em Rosita, de 1923, mas nem o estrondoso sucesso de bilheteria (o filme arrecadou mais de 1 milhão de dólares) nem o aclamado ‘toque’ do cineasta conseguiu alterar as expectativas dos fãs em relação à atriz”, segundo menciona a biografia de Pickford publicada no blogue Assim Era Hollywood.

Foto Acervo

“Adicionar som a filmes seria como colocar batom na Vênus de Milo”, teria dito a atriz em relação à chegada do cinema sonoro, e talvez tenha sido a única vez que esteve enganada em relação aos caminhos que a cinematografia tomaria. Especulou-se que parte desta indisposição com o cinema falado pode ter sido o receio de uma reação negativa dos fãs à sua voz; outra parte pode ser atribuída à necessidade de dominar um sistema de produção totalmente novo, que influía definitivamente na atuação, exigindo dos elencos uma adaptação rápida aos novos tempos e suas evoluções tecnológicas.

O certo é que ironicamente Mary Pickford ganhou o Oscar de Melhor Atriz Principal, em 1930, com Coquette, seu primeiro filme falado, e já sem os cachos que a imortalizaram. Pickford havia sobrevivido à sonorização dos filmes, assim ficou comprovado pela crítica, porém o público não respondeu à altura, desconhecendo a atriz que ficaria para sempre restrita à personagem que ajudou a criar. Para então a atriz já estava decidida a deixar as telas, fato que se consumou em alguns anos.

Mary Pickford foi casada três vezes. Primeiro com o ator e diretor irlandês Owen Moore de quem se separou em função do alcoolismo que este desenvolveu e logo se casaria com o também ator Douglas Fairbanks, com quem formou um dos casais mais famosos do cinema, fenômeno tido como incerto no meio cinematográfico, frente a uma sociedade que repudiava o divórcio, e principalmente as mulheres desquitadas ou divorciadas.

Foto acervo

Incrivelmente não foi o caso de Mary Pickford que formou com Fairbanks, também separado, o casal dos sonhos da sociedade americana, que seguia com atenção os passos do casal, cuja união durou quase duas décadas. O terceiro casamento deu-se com seu colega em My Best Girl, o último filme mudo da atriz, o músico e ator Charles Buddy Rogers, com quem viveu até falecer em 1979, vítima de uma hemorragia cerebral em decorrência de seu vício em álcool, doença que rondava a vida da atriz que enterrou em sua decorrência seus dois irmãos, Lottie e Jack, que a exemplo da mãe e seu pai, também eram alcoólatras.

Aos poucos a importante atriz e produtora foi tornando-se reclusa, deixou de aparecer em público e recebia apenas um restrito grupo de pessoas em sua mansão em Beberly Hills, herança de seu segundo casamento.

“Ela sabia o que valia a pena e não hesitou em exigir isso para si mesma. Ela era uma mulher em controle total”, escreveu a biógrafa Eileen Whitfield a respeito de Mary Pickford. A última vez que foi vista em público foi em 1976 ao receber o Oscar Honorário quando uma equipe de televisão gravou por breves momentos a atriz recebendo a premiação.

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