Hoje em dia a roupa parte da grande e poderosa Indústria Mundial da Moda, que afirma vivermos uma grande liberdade democrática. Mas sabemos que, se pudéssemos expressar nossos desejos íntimos, entraríamos numa taxonomia, enquadrados por tempo, local, classe, etnia, bom-gosto, etc. A cada nova ideia, uma tribo é criada denominando um nicho de mercado. Embora nossa maneira de vestir já tenha sido única há séculos atrás, a Moda nunca foi tão tirânica, porque hoje, manipula até os grupos que se rebelam. Acabamos reproduzindo imagens que a publicidade nos impõe, enquanto inúmeros programas TV e artigos de Revistas ditam o que se pode vestir, de que maneira e quando.
Conhecer o trabalho de JOÃO PIMENTA levou a um estranhamento. Surpresa por descobrir sinais transgressivos que delatassem um conflito explicitado em roupas. Com ternos impecáveis, camisas castas e irretocáveis expostas em vitrine, sempre um detalhe perturbador denuncia um comentário crítico. A Arte trabalha com Conceitos e não com a Utilidade, no entanto, partindo do que seja o Útil, a roupa, o estilista insere dúvidas sobre o rumo do Belo e da Função, e em suas criações o conflito se instala.
Suas vitrinas mostram uma alfaiataria perfeccionista, mas não convencional, evitando o pitoresco ou o exótico, que ocorre no segmento de roupas masculina, sempre que se tenta romper sua rigidez de formas e propósitos. Com as interferências em detalhes, surgem releituras políticas, apontando debates diagonais à moda para além das texturas, cores, caimento, acabamento, elegância e função. Tais detalhes acusam a ingerência de debates de classe, gênero, história e ética. Sua produção busca confundir e associar o rico com o pobre, o masculino com o feminino, o contemporâneo com o arcaico, o regional com o cosmopolita.
A discussão que rompe os limites retos da anatomia masculina esbarra na sobriedade moralista, que imposta no século XIX como comportamento religioso, busca a imagem de honradez, responsabilidade e superioridade da “condição masculina, cristã, heterossexual, civilizada, branca e europeia (ou europeizada)”, impondo-se enquanto valor ao resto do mundo Ocidental.
João Pimenta propõe o rompimento da barreira do ‘homem sério’, atraindo outros juízos e risos, numa outra dramaturgia do teatro da moda, fazendo coleções que evocam as Congadas de Minas Gerais (2007), o Vaqueiro Nordestino , o Quadril (2009) na releitura das vestimentas do Século XVIII (quando quadris folgados demandavam acesso a cavalos e agilidades no uso de espadas), os Dandies cariocas dos anos 1930 aos 50 no Rio – os “Malandros”, os Grafismos Indígenas do Brasil (2014) e outros temas provocativos como o não-gênero, como denomina os híbridos entre o masculino e o feminino.
A aposta do estilista é romper essa barreira da moral puritana sem buscar o mais hipster ou cosmopolita, submetendo-se às imposições do ‘mundo fashion’, mas ao contrário, mergulhar em referências de um Brasil profundo, como as Minas Gerais, os Sertões Nordestinos, os Pampas sulistas, além da fluidez de gênero mais veraz. Tendo sido aceito na famosa SPFW (São Paulo Fashion Week), seu projeto de discutir o que ainda se mantém tabu sem cair no caricato ou no exibicionismo fácil, propõe nova ética de rompimento, revendo barreiras para um novo pacto de comportamento menos padronizado. Parece uma boa aposta.
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