Eu tenho um original do Angeli. Bem que tentei avisá-lo várias vezes, mas não consegui. Na verdade, só gostaria de que soubesse que ele tem um trabalho comigo sendo bem guardado e exibido em minha sala.
Em 1979, para fazer uma pesquisa sobre a História da FUNAI para a Faculdade de Sociologia e Política onde cursava Sociologia, consegui acesso à Biblioteca do antigo jornal Opinião, onde havia muito material sobre os índios.
O Opinião foi um dos primeiros jornais chamados “nanico” por seu tamanho (como o Pasquim), e por serem muitas vezes, produzidos de forma coletiva, além de, corajosamente, oferecerem resistência à ditadura militar. Mas apesar de nanico ou alternativo, foi um jornal famoso, chegando a vender mais de 40 mil unidades quando a Veja (ainda sem assinaturas), de grande empresa, vendia em torno de 60 mil. E esse feito acontecia no auge da fase mais repressiva do golpe militar, entre 1972 e 1977, quando capitularam após serem vítimas de inúmeras prisões, censuras e até atentado a bomba. A turma das botas não lidava bem com desafetos…e ‘democracia’ era eufemismo de comunismo.
E quando o jornal fechou, seu acervo ficou sob cuidados de outro alternativo, MOVIMENTO, perto da minha casa, e dói quando que poderia pesquisar. E quando cheguei de manhã, a redação estava praticamente vazia, porque havia virado a noite para entregar a edição no prazo. Com lixeiras e cinzeiros sujos, o lugar estava uma bagunça.
Antes de subir ao arquivo, passando por uma prancheta, reparei num desenho todo amassado no lixinho ao lado. Deu para ver que era um nanquim e puxei a folha, alisei e vi o desenho pronto do Angeli, descartado. Surpresa fui informada: “Tem coisa que não precisamos nem esperar a censura decidir. O Angeli se tocou que não passaria, e se desfez da ideia”.
Sorte minha!
No ano de 1979 o país conseguiu se mobilizar em favor da Causa Indígena. Os carros ostentavam adesivos que começavam a enfrentar a propaganda oficial contra os que manifestavam seu desacordo aos métodos e resultados da administração pública com um malcriado “Ame-o ou Deixe-o”. Ou você concorda, ou mude-se deste país – já que “ele não é seu, mas nosso – das forças armadas e dos carneiros que apoiam nossas arbitrariedades” – mais ou menos isso. Ao contrário, naquele ano, começam a surgir grafites pelos muros da cidade e pelos carros onde líamos: “Pela demarcação das terras indígenas”. E a ebulição dessa questão me fez querer entender melhor as leis e ações do governo em proteger ou dizimar brasileiros originais.
E eis que surge o desenho do Angeli, que dispensa qualquer explicação, hoje enquadrado, guardando ainda, além do nanquim, o branco do guache que lhe ressalta os traços e limpa os erros. Magnífico trabalho que o tempo não me tomou, mas que também, infelizmente, a realidade atual não envelheceu. Infelizmente, continua atual, e a Funai, continua sendo o órgão que oscila em ser sua protetora e sua algoz. Por isso o movimento que se espalhou pelas ruas por adesivos plásticos pelos caros na cidade, permanece atual e preciso. Ainda clamamos Pela Demarcação das Terras Indígenas!
Ao Angeli, meu muito obrigado por mais este desenho genial que já tem mais de 35 anos.
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