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PAPEL DA CURADORIA NO MERCADO ATUAL

Basquiat - Músicos - 1981

Para Fernando Pessoa a Arte é expressão pessoal independentemente do que seja. Mas essa é uma imagem bem moderna, onde a busca da autoria e da originalidade são imperativas. Mas a ideia de que a arte seja uma leitura perturbadora do senso comum faz mais sentido no tempo atual. Algo que estava adormecido no cotidiano amesquinhado por um conforto manipulado salta aos olhos em deslocamentos criativos. Arte se torna uma indagação muda – um incômodo. Por isso é uma ação de cultura, não mais uma exclusividade da estética. Ela não lida mais, necessariamente, com o belo, com o gosto, com o prazer, mas com a filosofia e a política – no sentido em que nos relacionamos com a Pólis e suas intervenções são provocações ao Outro – ao público, portanto, um diálogo político, exposto à Pólis. A arte propõe debates.

Chihiro Shimotami - Impresso sobre Rocha - 1973

Chihiro Shimotami – Impresso sobre Rocha – 1973

Ultimamente Arte Contemporânea anda distante do mundo cotidiano, numa contradição lamentável.  As pessoas que visitam grandes eventos de Arte Contemporânea costumam sair desenxavidas, aturdidas, decepcionadas e não raro, até ofendidas, comentando: “Meu filho é capaz de fazer igual a isto”.  Mas Arte Contemporânea, no entanto, já fez parte de um movimento pulsante, desafiador e cheio de gozo em suas propostas e cumplicidades com o público. Estou falando, é sabido, dos anos sessenta e setenta do século XX com o movimento neoconcreto no Rio de Janeiro que propunha interações com a obra em propostas sensoriais de impacto para um público que, até então, via arte com reverência e distância. Os corpos passaram a interagir, requisitados para inovadoras vivências olfativas, cinéticas e até eróticas. As exposições, como festas, começam a marcar o cotidiano das grandes cidades onde exposições cada vez mais espetaculares, transformam comportados museus em eventos pop disputados.

No Brasil, os anos setenta incorporam um experimentalismo com fortes doses de humor. Apesar da ditadura a contracultura internacional funde-se ao velho modernismo construindo o Tropicalismo, que ousou romper o silêncio e o sistema telegráfico de exposição de ideias, pela ousadia. A Censura pelo deboche aberto. Uma identificação entre público e criação se estabeleceu pela via do humor, da cumplicidade e da crítica.

Lygia Clark - nostalgia do corpo - 1964

Lygia Clark – nostalgia do corpo – 1964

Depois dos anos oitenta o mercado descartou o público, numa ciranda onde obras, criadores e crítica viram auto referentes, porque no giro do capital, o lucro prescinde todos os não colecionadores. Museus, Galerias, Feiras e seus promotores, é tudo o que importa no Mercado Internacional de Artes, e os Mega eventos como as Bienais e grandiosas mostras, fazem parte do esquema publicitário desse jogo.

O famoso grafiteiro inglês, Banksy, comentou como este é o único nicho das artes que ignora o público. Segundo ele, o gosto geral sempre determinou obras e artistas a partir da procura e aceitação, como é o caso da música, da literatura e outras. Vingam os eleitos pelo público. Nas artes plásticas, o público fica relegado a testemunhas (pagante de preferência), sem direito a voto. Seu gosto e decisão nada contam. As artes, de expressão de um tempo e de um povo, gira em falso sobre si mesma, com um poder nunca antes alcançável. A Bolsa das Artes explode em oposição à seu diálogo com o cotidiano. Artistas milionários viram popstars enquanto a mídia tenta incendiar um debate de surdos.

 Damien Hirst - 'The Physical Impossibility of Death - 2002

Damien Hirst – ‘The Physical Impossibility of Death – 2002

Com o afastamento do público das exposições de Artes, os Museus precisavam reativar essa conexão e, aos moldes da Indústria Cultural de Massa, tornaram-se centros de espetáculos, inserindo-se no circuito turístico das cidades. Para tornar esse circuito mais palatável, expande-se a figura do curador. Se as galerias entraram no círculo fechado do mercado, os Museus entraram no rol das opções de lazer, e mais do que isso, como afirmam pesquisadores para o The Biennial Reader, auxiliaram no enriquecimento das cidades.

Cidades ascenderam e enriqueceram sob o movimento das grandes exposições como já acontecera com Paris e Londres no século XIX, e na atualidade com a pequena Kassel. Mesmo a grande, porém subdesenvolvida São Paulo, ganha lugar de destaque no circuito internacional, em parte por sua Bienal ser considerada a terceira mais importante do mundo (Veneza, Kassel depois São Paulo).Fator de macro-economia, grandes exposições ganham manchetes.

Neste panorama curadores são mais que mediadores e negociadores. Sua função vem revitalizando a relação público-obras-de-arte por proporem leituras organizadas do “caos” geral que distanciou o público. No aparente ‘vale tudo’ das Artes Contemporâneas, surge alguém que, propondo um tema, um foco, um percurso à uma mostra, estabelece um discurso que justifica e ordena uma vivência, mesmo sem estabelecer hierarquias ou valores. A maneira como ele o faz variará conforme o recorte escolhido. Partindo de um criador, ele pode propor uma amostragem de modo a orientar uma percepção ou caminho. Pode ser cronológica ou temática ou técnica, como uma mostra das gravuras de uma fase de um autor. Ou pode reunir vários criadores, de várias linguagens, sob um tema que os amalgame, e assim por diante.

Haecht W. - Sala de arte de Cornelis - Antuérpia - 1628

Haecht W. – Sala de arte de Cornelis – Antuérpia – 1628

Às vezes tradutores ou leitores privilegiados, às vezes educadores e até animadores, os curadores reavivam museus com a convicção de serem estas instituições “depositárias da imagem simbólica que um país faz de si” como explica Paulo Herkenhoff, um dos curadores mais respeitados do país e do mundo. Segundo ele ainda, cabe ao curador desmascarar a farsa que vem distorcendo a imagem da Arte Contemporânea, levada pela máquina publicitária da Indústria Cultural de Massa, que se compraz em reduzir as discussões levadas pelos artistas, a meros jogos enfadonhos elitistas. Para Herkenhoff, não passam de “farsas intelectuais de um colunismo social com champanhe”. Curadores transitam entre vários polos na tentativa de recuperar o lugar que já foi instigante e excitante, e que pode voltar a sê-lo.

GLÁUCIA DE CASTRO PIMENTEL

 

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