Envoltos pelo desejo somos impulsionados pela visão das provocações. Freud percebeu que somos seres divididos pelas pulsões: do Amor e de Morte. Eros e Thanatos. Animais, nos civilizamos, mas o esforço é inglório. Bem que tentamos, mas tudo nos provoca, tudo conecta, tudo lembra …. e disfarçamos. A visão hipnotiza, liga, associa e os excessos nos levam aos desejos excessivos, luxuriantes, brilhantes, borbulhantes. A contenção é fundamental, o verniz civilizatório é fundamental. mas o preço é sempre alto.
Um dos maiores freudianos, Herbert Marcuse em Eros e Civilização, comenta a importância dos interditos. Se tudo fosse permitido – transar quando se quer, da maneira que se quiser, matar também estaria com amarras soltas. Seríamos uma espécie em extinção logo no nascedouro, há trinta e cinco mil anos atrás, quando começamos a descer das árvores. Para um convívio o pacto seria fundamental: sexo com regras, morte com regras. Mas ambos continuam sendo ansiados. A Civilização impediu nossa extinção, mas é só verniz! Ânsia pelo prazer e ânsia por destruir desafetos, seguem na pauta dos dias. De cada um de nossos dias.
Neste mês a Galeria Mendes Wood DM na Rua da Consolação (as coincidências são sempre irônicas) instalou uma exposição onde o desejo e o pecado são expostos como uma predição, uma profecia, um alerta. PREDICTION reuniu trinta artistas para comentar nossas pulsões e interdições. Com curadoria de Milovan Farronato, um transgênero italiano que gosta de jogar com o peso religioso da vizinhança de seu país com o Vaticano e a interferência nas questões de sexo e pecado, a exposição propõe o debate potente onde sonhos e pesadelos, ainda pagam riscos sobre regras que se fazem anti-naturais, tirânicas – tanto religiosas como as tentativas de controle de Estado. Enquanto circulamos por esta mostra, as questões se misturam às surpresas de um lado, e alertas de outro.
Partindo da ideia de um sonho erótico com Marilyn Monroe e sua voz de “recém acordada”, Ferronato se convence da inevitabilidade da vibração do corpo. E todos os cantos, as alusões, insinuações e constrangimentos que uma cultura forjada pelas tentativas de controle sobre os desejos do corpo, torna o percurso das salas da galeria, um mergulho na genealogia do sexo!
Da entrada já antevemos uma cama de casal recoberta por um edredon desfigurado por uso indicativo. Vemos pipocas espalhadas, objetos pessoais e até um celular esquecido depois de muita farra. Mas todo esse calor se espoja numa laje fria azulejada negra como uma lápide: Eros e Thanatos. Pulsão e Interdito. Sexo e Castigo. Por todo o trajeto o diálogo entre os opostos se colocam em diálogo sutil e surpreendente. Com tantos atores dialogando um texto tão humano, fazem da exposição uma experiência onde a dúvida, o suspiro e o humor, se instalem em suas salas.
Pátios, engenhocas, fotos de corpos da década de cinquenta com uma sensualidade anacrônica, fora de moda…. lembram que o tesão tem moda, tem constructo, tem curadoria, mas segue sendo insolente e desfrutável, pois o jogo do querer se desdobra em muitas linguagens como os carimbos de mãozinhas na parede em rodinhas tão orgânicas que vemos as linhas da menina, do menino, e nos damos conta que eles revestiram, com seus carimbinhos divertidos, uma parede associada à pedofilia (!) Surpresa, horror, silêncios proibidos. E rimos pelo não crime em nós mesmos, talvez no outro, naquele que ousou se excitar com as mãozinhas tão macias, pequenas e indefesas fazendo rodinhas pelas paredes, enquanto se ouve bossa nova, novamente o presente e o passado, num jogo perigoso que nos faz rir, nervosos.
Nas salas onde estaremos compartilhando embaraços com o público, então o humor vira personagem, e é quando percebemos que Civilizados, entre a Pulsão e o Interdito, construímos o Humor, e através dele, podemos usufruir nossos próprios jogos imaginativos erotizados. Sorte nossa. Contornando Torsos magníficos, Lunetas de espionar incautos se despindo frente às janelas, um enorme macaco atravessando o salão do teto ao solo com suas entranhas, mãos e pelos num universo tátil que nos libera ao sensorial que já conhecemos…. de criança. E também passa por essa memória infantil o gosto pelo sentir sem medo. Sem pecado, sem culpa. Todos reunidos…. sorteando nossa atenção, mais aqui, menos adiante em juízo de valor estético e não moral, numa suspensão de alívio e divertida. Sem os interditos e culpas das religiões, que se empenham em controlar e negar o prazer dos corpos.
E para os que aproveitarem a ótima exposição de PREDICTION ainda conhecerão a obra de Cibele Cavalli Bastos, brasileira que, em debate direto com a exposição principal, fala de suas intimidades femininas num desdobrar nada tímido desse universo recoberto por laços, rendas, espumas e genitálias.
Gláucia de Castro Pimentel – http://www.zupi.com.br/provocacoes-exposicao-dos-desejos-libertos/
Serviço:
Galeria Mendes Wood DM – Rua da Consolação, 3358 // 3081-1735
De segunda a sábado – das 10 às 19h – Até 06 de agosto
Agradecimentos a Matheus Yehudi
Leia também pela Revista Zupi de Artes: http://www.zupi.com.br/provocacoes-exposicao-dos-desejos-libertos/
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